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Expedição

Alcatrazes e Ilha de Búzios a vela

Foram três dias no mar a bordo do veleiro Hiva Oa e uma das maiores surpresas na vida profissional de três mergulhadores com décadas de experiência no mar.

A tripulação formada pelo biólogo molecular Mauro Rebelo, pelo mergulhador e cinegrafista Leo Francini e por mim, documentarista e navegador, partiu com vento fraco do Píer de São Francisco, na cidade de São Sebastião, rumo ao Arquipélago de Alcatrazes, a cerca de 50 quilômetros de distância.

O conjunto insular de cinco ilhas maiores é protegido desde 2016 nos limites do Refúgio de Vida Silvestre de Alcatrazes, administrado pelo ICMbio. Essa importante unidade de conservação marinha resultou de movimentos da sociedade civil para a interrupção dos testes de armamentos militares feitos no local pela Marinha, que detinha o controle da área desde 1930. Pela lei atual, apenas uma das ilhas, a da Sapata, ainda pode ser usada como alvo para os canhões da Marinha, sendo todas as demais protegidas dessa atividade.

Após cinco horas de navegação tranquila a vela e motor, os três estavam prontos para o primeiro mergulho na Ilha do Farol, única dotada de um farol de sinalização marítima, atualmente desativado.

O aspecto da água vista a partir do convés parecia fora do normal e já tinha intrigado todos a bordo. Mas a surpresa só se revelou completamente quando os três saltaram do veleiro e abriram os olhos protegidos em suas máscaras de mergulho: dentro d’água não se enxergava nada além de uma massa completamente vermelha.

O mar normalmente azul-esverdeado naquele local e com boa transparência parecia um rio barrento. Tudo indicava a presença de um fenômeno conhecido por maré vermelha, quando uma área marinha é afetada pela superproliferação  microalgas de pigmentação vermelha.

Mesmo com a falta total de visibilidade, os mergulhadores decidiram descer levando os equipamentos de coleta de coral-sol e suas câmeras de fotografia e vídeo submarinos. Combinaram de manter contato visual próximo, pois o campo de visão se restringia a cerca de meio metro. Tudo além dessa distância desaparecia de vista.

Era algo como mergulhar em uma sopa de beterraba. E pior: nem mesmo a luz conseguia penetrar pelo líquido opaco e aos 2 metros de profundidade já se fazia noite escura. Não se via mais nada, nem mesmo a coloração avermelhada da água, apenas escuridão.

Aos 3 metros de profundidade, mais uma novidade inusitada: a água vermelha dava lugar a uma água bastante clara, como é comum na área e a visibilidade quase nula foi para uns 12 metros, distância que os três mergulhadores só podiam enxergar usando suas lanternas para iluminar o fundo tão escuro quanto em uma noite sem lua.

Outro fator insuspeitado presente nesse dia incomum: a termoclina, zona de transição entre a água quente da superfície e as correntes frias e profundas do Atlântico, começava muito mais rasa do que o normal. Aos 6 metros de profundidade a água passava de 23 graus para cerca de 17 graus, muito frio mesmo para corpos protegidos por uma camada de 7 milímetros de neoprene.

As condições incomuns não impediram as coletas feitas pelo cientista Mauro. E foi tudo documentado em fotografia e vídeo por Luciano e Leo. Esse material pode ser visto nas galerias nessa página.

No dia seguinte, partimos cedo de Alcatrazes para a Ilha de Búzios, a segunda maior do Arquipélago de Ilhabela atrás da grande Ilha de São Sebastião. A viagem de 50 quilômetros e cinco horas foi feita toda a motor em uma completa calmaria de vento e mar.

Os dois mergulhos em Búzios revelaram uma condição que em nada lembrava o dia anterior: águas azuis e muito claras sem nenhum sinal da densa maré que trouxe a noite para o fundo do mar de Alcatrazes às duas horas da tarde. Além disso, chamou a atenção dos mergulhadores a densidade de ocupação do coral-sol com vastas áreas das rochas do fundo completamente cobertas por tapetes de Tubastrea, como pode ser visto nas galerias de imagens aqui ao lado.

É interessante notar que em Alcatrazes ocorre um programa de remoção de corais invasores já há dois anos, enquanto na Ilha de Búzios nunca houve controle da espécie.

Depois de uma noite abrigado no Saco do Sombrio, na face leste de Ilhabela, Hiva Oa velejou retornou ao ponto de partida levando amostras e imagens de dias surpreendentes.

Luciano Candisani

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